Desde os
primórdios da humanidade até hoje
agentes físicos como o sol, calor, água e eletricidade, massagens e
exercícios são empregados com finalidades terapêutica. Essa pratica intuitiva e empírica foi
transformando-se com o decorrer do tempo até atingir o que hoje se
constitui a Fisioterapia. A China registra obras de cinesioterapia em
2698 a.C., sendo que na Índia quase na mesma época já se usavam
exercícios respiratórios para combater a constipação. No Ocidente
praticava-se a helioterapia (banhos de sol) citada por Heródoto em 484
a.C., hidroterapia (nas famosas termas) e as massagens citadas por
Hipócrates em 460 a.C., a eletroterapia com o peixe elétrico citada por
Aristóteles em 381 a.C. e a cinesioterapia com os exercícios físicos
citados por Galeno em 199 a.C10. Quando os grandes conflitos bélicos
aliados à evolução da farmacoterapia e dos procedimentos médicos
começaram a produzir um número cada vez maior de pacientes, isto é, de
sobreviventes e conseqüentemente de seqüelados, sendo na sua grande
maioria amputados, sentiu-se a necessidade da formação de profissionais
específicos para a área de reabilitação e assim nasceram os primeiros
cursos de Fisioterapia. O primeiro no ano de 1902 em Kiel e a seguir
Dresden em 1918, ambos na Alemanha. A partir daí, desenvolveram-se
trabalhos em regiões circunvizinhas como na Suíça com a “Doutrina
Funcional do Movimento” de Susanne K. Vogelbach e o “Tratamento
Neuro-evolutivo em Bebês” da fisioterapeuta Mary Quinton. Na Inglaterra
desenvolveu-se a massoterapia com a padronização de seus métodos e as
manipulações articulares, também a cinesioterapia respiratória com
Winifred Linton e a neurológica com Berta Bobath.
Com o objetivo de intensificar o
desenvolvimento da fisioterapia a nível mundial cria-se em 1948 a World
Confederation for Physical Therapy (WCPT) com sede em Londres. Na
América do Norte houve contribuição importante principalmente no emprego
de testes musculares e da mecanoterapia. Na América do Sul, a Argentina
foi o país pioneiro em cursos de Fisioterapia. No Brasil. a história da
Fisioterapia inicia em 1879, com a criação do primeiro setor de
eletroterapia na Santa Casa do Rio de Janeiro, e em 1929, instala-se o
serviço de Fisioterapia no Hospital das Clínicas em São Paulo. Em 1954,
funda-se a Sociedade Brasileira de Fisioterapia. Em 1951 tem início o
primeiro curso de formação de técnicos em Fisioterapia. Em 1956 a
Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação cria o primeiro curso
de Fisioterapia de nível superior do país, no Rio de Janeiro. A década
de 60 caracterizou-se por intensas mobilizações da categoria, mesmo que
de forma centralizada no eixo Rio - São Paulo, e que culminou com o
Decreto Lei nº 938, do dia 13 de Outubro de 1969 reconhecendo a
profissão de Fisioterapeuta. Em 1975 cria-se o Conselho Federal de
Fisioterapia e conseqüentemente os Conselhos Regionais. (Rocha
Magalhaes, Z et al)
A
profissão de fisioterapeuta foi regulamentada no Brasil no dia 13 de
outubro de 1969. O Decreto–lei nº 938 a definiu como profissão de
nível superior, cabendo ao fisioterapeuta, de forma privativa, a
realização de "métodos e técnicas fisioterápicos com a finalidade de
restaurar, desenvolver e conservar a capacidade física do cliente".
A Junta Militar que governava o país em 1969, ao assinar o Decreto–lei nº 938, regulamentou o exercício das profissões de fisioterapeuta e de terapeuta ocupacional, definindo suas áreas de atuação e formação. O exercício profissional na área da fisioterapia tornou–se desde então exclusividade de fisioterapeutas formados em cursos de nível superior. Antes do Decreto–lei nº 938, quatro projetos de lei tramitaram pelo Congresso Nacional, desde 1958, na tentativa de regulamentar a profissão e formação dos fisioterapeutas no país.
A
história da profissão de fisioterapeuta no país tem sido objeto de
estudo de professores e pesquisadores, principalmente fisioterapeutas
vinculados a programas de pós–graduação em áreas como saúde coletiva,
educação e na própria fisioterapia. Diversos trabalhos têm abordado
períodos recentes da profissionalização da fisioterapia, tendo o
Decreto–lei nº 938 como ponto de partida de suas análises, passando pela
criação dos Conselhos de Fisioterapia e de Terapia Ocupacional nos anos
1970 e utilizando, por vezes, a história como pano de fundo para suas
produções acadêmicas.
Embora seja consenso entre todos os autores que o Decreto–lei nº 938
seja um marco institucional importante para o estabelecimento da
profissão de fisioterapeuta no país, pouco se produziu sobre as décadas
que o antecederam e processos que o viabilizaram. O presente artigo
pretende justamente discutir o início da profissionalização da
fisioterapia nos anos 1950, a partir da análise histórica da criação e
reconhecimento da Escola de Reabilitação do Rio de Janeiro (ERRJ).
A
ERRJ foi criada pela Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação (ABBR)
em 1956 e foi a primeira instituição no país a oferecer em caráter
regular um curso de graduação em fisioterapia.
Como parte do processo de desenvolvimento da profissão de
fisioterapeuta, foi criada a Confederação Mundial de Fisioterapia (WCPT)
em 1951, na Dinamarca, que em seu primeiro congresso internacional,
realizado em Londres no ano de 1953, reuniu cerca de 1.500 participantes
de 25 países. Nos anos 1950, a WCPT já mantinha relações formais de
colaboração com a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Dentre os objetivos definidos na
fundação da WCPT constam a cooperação com agências do sistema das Nações
Unidas e outras agências internacionais "nos seus esforços para iniciar,
desenvolver ou ampliar serviços de reabilitação através do mundo" e o
oferecimento de consultoria, informação e assistência a agências
internacionais, governos e indivíduos para o desenvolvimento de escolas
de fisioterapia, oferecendo "pessoal e equipamentos para departamentos
de fisioterapia".
Durante os anos 1950, diferentes organismos internacionais atuaram na
área de reabilitação, dentre eles: Fundo Mundial de Reabilitação,
Organização Mundial da Saúde, Organização Internacional do Trabalho,
Reabilitação Internacional, UNICEF, 'Colombo Plan', Federação Mundial de
Veteranos e a Administração de Assistência e Reabilitação das Nações
Unidas. De acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais
das Nações Unidas, o interesse mundial pela reabilitação ocorreu
principalmente por quatro acontecimentos históricos: as duas grandes
guerras mundiais, processo acelerado de urbanização e industrialização
(favorecendo a propagação de epidemias e aumento dos acidentes de
trabalho), progressos tecnológicos, médicos e das ciências sociais que
permitiram a organização dos centros de reabilitação e uma consciência
social mais sensível à causa das pessoas portadoras de deficiência.
Segundo especialistas do Comitê de Reabilitação Médica da Organização
Mundial da Saúde (OMS), a reabilitação teria como finalidade principal
não apenas restabelecer a pessoa afetada à sua condição anterior, mas
também desenvolver ao máximo suas funções físicas e mentais.
Literalmente, como consta no informe do Comitê, reabilitação não seria
apenas a cura física, mas também a cura social e, ao referir–se às
vantagens da reabilitação nos países subdesenvolvidos, o texto ressalta
que "uma reabilitação, que transforma em produtor útil a um consumidor
inútil, representa uma contribuição valiosa ao bem–estar geral".
O
primeiro informe de reabilitação médica da OMS, datado de 1958,
destacava a dificuldade de formação de uma equipe com fisioterapeutas e
terapeutas ocupacionais (chamados de ergoterapeutas) , ressaltando que
"a formação de uma equipe de fisioterapeutas e ergoterapeutas é uma
tarefa tão ou mais difícil quanto a formação de pessoal de cirurgia e de
enfermaria" .
O Globo descreveu em abril de 1956 a criação da ABBR.
Segundo o jornal, a ABBR foi idealizada "pelos vários setores da
sociedade carioca", dela fazendo parte, inclusive, "vítimas da
poliomielite ou parentes destas". A matéria ressalta ainda a dificuldade
do tratamento e seu elevado custo como fatores determinantes para a
criação da ABBR.
No dia 5 de agosto de 1954, reuniram–se em assembléia geral cerca de 180
pessoas que assinaram a lista de presença, durante a fundação da ABBR,
no auditório da Associação Brasileira de Imprensa, no centro do Rio de
Janeiro. Na ata da Assembléia Geral de constituição da ABBR, Fernando
Lemos era referido como "o grande idealizador e incansável batalhador na
fundação da Associação Brasileira Beneficente de Reabilitação". Nos
registros na ata de fundação da Associação, consta que Fernando Lemos,
em seu pronunciamento durante a assembléia expôs "como lhe veio a idéia
de fundar a Associação, diante das dificuldades com que lutou no
tratamento de seu único filho, vítima da paralisia infantil". Oswaldo
Pinheiro Campos, por sua vez, ressaltou a grave situação da poliomielite
no Rio de Janeiro. Euniche Pourchet, que dirigia cursos de
"especialidade dos professores de classes de crianças deficientes" e
teria organizado também o "primeiro curso de terapêutica ocupacional" no
Brasil, discorreu sobre a formação técnica em reabilitação.
Uma marca comum que unia vários participantes da Assembléia de criação
da ABBR era a deficiência física. Estavam ali certamente muitos pais e
parentes de crianças vítimas da poliomielite.
Formação dos fisioterapeutas
No cenário internacional, as primeiras escolas formadoras de
fisioterapeutas iniciaram suas atividades no final do século XIX e
início do século XX; a partir da Inglaterra (1895) e Alemanha (1902),
novas instituições foram sendo criadas em outros países da Europa,
Estados Unidos da América do Norte, Canadá e Austrália.
Na América Latina, as primeiras instituições formadoras de
fisioterapeutas foram criadas nas décadas de 1940 e 1950. Foi o caso da
Colômbia, em 1952 – 53, com a Escola Nacional de Fisioterapia e do
Chile, com a Escola de Fisioterapia da Universidade do Chile, criada em
1956. Na Argentina, um dos primeiros serviços especializados, que
incluía o treinamento profissional em fisioterapia, foi o Instituto
Municipal de Radiologia e Fisioterapia, criado em 1925 em Buenos Aires.
As primeiras instituições de ensino a formar fisioterapeutas
regularmente no país, antes mesmo da regulamentação da profissão, foram
a Escola de Reabilitação do Rio de Janeiro, em 1956, o Instituto de
Reabilitação de São Paulo, em 1958, e a Faculdade de Ciências Médicas de
Minas Gerais (Fundação Arapiara), em 1962. A antiga Escola Nacional de
Educação Física e Desportos da Universidade do Brasil – ENEFD
(atualmente Escola de Educação Física e Desportos da UFRJ) e a Escola de
Educação Física do Exército (ambas no Rio de Janeiro) ofereciam
disciplinas de fisioterapia na formação de educadores físicos e de
médicos especializados em medicina desportiva. O professor Camilo Abud,
catedrático em fisioterapia da ENEFD, ministrou também cursos de
"instrução de recuperadores", "treinamento e massagem" e formação em
massagem desde a criação da Escola em 1939. Os serviços de fisioterapia
existentes em diversos hospitais do Rio de Janeiro (Hospital Carlos
Chagas, Barata Ribeiro e Santa Casa de Misericórdia) treinavam seus
próprios funcionários em serviço ou recebiam os egressos dos cursos
ministrados pelo professor Camilo Abud.
Também em São Paulo, existia a formação em serviço de técnicos para
trabalharem em hospitais. Um exemplo deste tipo de formação foi o curso
"Raphael de Barros", oferecido no início dos anos 1950. O objetivo da
formação era capacitar profissionais auxiliares médicos chamados de
"técnicos operadores em fisioterapia", em um curso com um ano de
duração. A formação era uma exigência para todos que trabalhavam no
serviço de fisioterapia do Hospital das Clínicas da Faculdade de
Medicina da Universidade de São Paulo – USP. Este curso teve início em
1951 e encerrou suas atividades em 1956.
O
curso regular do Instituto de Reabilitação em São Paulo (ligado à USP)
iniciou sua primeira turma em 1958. De acordo com Robin F. Hindley–Smith,
médico consultor da Organização Mundial de Saúde (OMS), e um dos
responsáveis pelo curso do INAR, a primeira turma de técnicos em
fisioterapia graduou–se no final de 1959, após a conclusão de um curso
regular de dois anos de duração.
De acordo com o Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais das Nações
Unidas, foi estabelecida cooperação internacional com a USP para a
criação do Instituto de Reabilitação (INAR). As Nações Unidas
participaram do planejamento geral, próteses e fisioterapia; a Oficina
Internacional do Trabalho (OIT) participou da orientação profissional e
recolocação para o trabalho; e a Organização Mundial da Saúde tomou
parte com a medicina física e coordenação de programas. O projeto era
tornar o INAR um modelo de reabilitação para outros países da América
Latina. De acordo com o relatório das Nações Unidas sobre a formação dos
fisioterapeutas, no INAR eram oferecidos cursos com dois anos de
duração. Segundo o mesmo relatório, a Escola de Reabilitação do Rio de
Janeiro já havia instituído anteriormente um "programa especial para a
formação de fisioterapeutas", baseado em um plano de estudos de três
anos.
Embora o objetivo deste artigo não seja realizar uma comparação entre os
cursos regulares de formação do INAR e da ERRJ, é importante destacar
resumidamente algumas diferenças. O curso oferecido pelo INAR, a partir
de 1958, tinha como pré–requisito para ingresso o segundo grau (ensino
médio) ou antigo colegial. Logo após o reconhecimento dos cursos da ERRJ
(1965), a USP publicou uma portaria definindo que o Instituto de
Reabilitação "ministra cursos normais de graduação em Fisioterapia e
Terapia Ocupacional", ao que acrescentou em 1970, por meio da Portaria
nº 1.025 de 16 de janeiro de 1970, o reconhecimento dos certificados
emitidos pelo INAR nos cursos de técnicos em Fisioterapia e em Terapia
Ocupacional entre os anos de 1958 a 1966 como equivalentes ao de nível
superior da USP.
A
formação no INAR seguia os parâmetros do Comitê de Reabilitação Médica
da OMS, do qual fazia parte o Dr. Godoy Moreira, professor de ortopedia
e traumatologia do Hospital das Clínicas da USP. Para a OMS, a "formação
de fisioterapeutas nos países menos desenvolvidos deveria ser
necessariamente rápida, especialmente na parte teórica, por conta da
falta de professores capacitados". De forma diferente, a formação na
ERRJ, além de não ter sido realizada dentro de uma instituição pública
como em São Paulo, não teve seu currículo definido pela OMS, foi
iniciada como de nível superior desde o início e inspirada nos
currículos de países desenvolvidos da América do Norte e Europa, com
duração de três anos.
A formação
na Escola de Reabilitação do Rio de Janeiro
A
Diretoria da ABBR, embora pretendesse rapidamente criar o centro de
reabilitação da entidade, foi desencorajada por seu conselho técnico. A
proposta, aceita pela diretoria, era que antes de se criar um centro de
reabilitação, era preciso formar os profissionais que ali iriam
trabalhar: fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais. Em reunião
realizada no dia 23 de setembro de 1955, na residência de Oswaldo
Pinheiro Campos, "foram estabelecidos os planos básicos para o
funcionamento da Escola". Na mesma noite da reunião do dia 23 de
setembro, foi designado o Dr. Jorge Faria para instalar e dirigir a
Escola de Reabilitação. O currículo utilizado como base para a escola,
segundo Hilton Baptista, foi o da "Escola de Reabilitação da Columbia
University". A formação dos fisioterapeutas acontecia em salas de aula
construídas dentro da própria ABBR e inicialmente os alunos também se
deslocavam para outras instituições, como a Policlínica do Rio de
Janeiro, Hospital Carlos Chagas, Hospital Getúlio Vargas, Hospital
Jesus, Hospital Pedro Ernesto e Cruz Vermelha. Os cursos de graduação em
fisioterapia e terapia ocupacional iniciaram suas atividades no dia 3 de
abril de 1956. A Escola de Reabilitação da ABBR possuía dois cursos
regulares: fisioterapia e terapia ocupacional.
Em média, o número de fisioterapeutas formados de 1958 a 1970 foi de
pouco mais de treze em cada turma, somando um total de 175
fisioterapeutas egressos da ERRJ neste período. De 1971 até 1980, a
média passou para pouco mais de 33 fisioterapeutas formados por cada
turma, somando 366 fisioterapeutas egressos neste período na ERRJ. O
aumento do número de egressos coincide com a regulamentação da profissão
em 1969, indicando provavelmente uma maior procura pela formação e menor
evasão de alunos após seu reconhecimento oficial pelo Estado brasileiro.
(Fabio
Batalha Monteiro de Barros)
REFERÊNCIAS
http://www.fisioterapeutasplugadas.com.br/fisiohis.asp.Acesso em: 09.set de 2012.


Nenhum comentário:
Postar um comentário